A iniciação esportiva e a especialização esportiva precoce são entendidos enquanto sinônimos; mas na verdade são dois termos distintos. Na iniciação esportiva é ensinado o básico da modalidade: a segurança aquática, as habilidades motoras aquáticas, as técnicas dos nados, as regras, o local de prática etc. A especialização esportiva acontece a partir do momento em que as crianças são introduzidas muito cedo em determinada modalidade com a exigência de resultados.

Para Oliveira e colaboradores (1) as crianças estão sendo submetidas a um treinamento especializado ‘além do que seria saudável para seu processo biológico, antecipando assim várias etapas do seu crescimento, desenvolvimento e maturação, levando esses praticantes, muitas vezes, ao abandono precoce’.

A questão da especialização precoce é complexa porque envolve além dos aspectos biológicos e ambientais, a questão do contexto sociocultural, representado pelos técnicos, professores e dirigentes; empresas que vendem produtos relacionados ao esporte; além dos pais que projetam nos seus filhos a solução dos seus próprios anseios e/ou frustrações desportivas.

No caso da natação competitiva este panorama é bastante comum, principalmente quando uma criança “chama a atenção” do técnico por seus aspectos genéticos e habilidades motoras; que “visualiza” a chance de formar um campeão. Estudiosos (2) realizaram uma pesquisa com 10 ex-nadadores que iniciaram o treinamento entre 7 e 12 anos, com 3 ou mais treinos por semana, com duração de 2 ou mais horas por sessão com metodologia voltada ao rendimento; além das competições, e quais foram as consequências na vida adulta. Os resultados da pesquisa indicaram que o treinamento de natação em períodos de pouca idade, resultam em inconvenientes como rivalidade, stress, falta de tempo livre e outros. Um aspecto interessante é que todos repetiriam a experiência, pois consideraram esse período de extrema importância para a sua formação geral no que diz respeito a determinação, dedicação e superação de obstáculos.

Oliveira e colaboradores (1) também pesquisaram ex-nadadores para identificar os motivos do abandono precoce. Foram 12 indivíduos que responderam a um questionário de 24 perguntas abertas e fechadas; com os resultados sendo analisados qualitativa e quantitativamente. A maioria iniciou os treinamentos antes dos 8 anos de idade, com picos de performance na categoria infantil (13 e 14 anos) ^(b) , período em que deveriam começar o treinamento especializado. Os motivos do abandono foram constantes resultados negativos, falta de apoio, lesões, falta de integração social, incompatibilidade com estudos e rotina de treinamento intenso.

É de suma importância o intercâmbio entre técnicos e pais, no sentido de uma maior conscientização dos pais, frente a obtenção dos resultados dos seus filhos, salientando-lhes que a melhora de rendimento é gradual e a longo prazo.

Segundo Marcellino ^(c) em 1997 (2), destaca que o tempo livre é de fundamental importância para a infância. De acordo com esse autor, pelo menos em termos ideais, a infância deveria ser marcada pelo descompromisso e pela falta de obrigações. O treinamento em idades precoces, compreende responsabilidades e compromissos que tendem a limitar o uso do tempo livre de lazer. Outros estudiosos (3) investigaram as implicações da especialização precoce na natação e os motivos que levam à evasão prematura das crianças da modalidade; com destaque aos aspectos psicológicos físicos e sociais.

Do ponto de vista psicológico, as implicações podem estar associadas às expectativas dos pais e dos técnicos, às exigências e responsabilidades (como se fossem adultos); à falta de motivação e desinteresse, além das consequências relacionadas ao estresse do ambiente competitivo, que pode gerar insegurança. Cansaço, perda do apetite e do sono e lesões são implicações físicas. A falta de interação social com outras crianças e interesse por outras modalidades são fatores sociais que também levam ao abandono.

Rodrigues e Clemente (4) estudaram os aspectos positivos e negativos do treinamento precoce na natação em nível psicológico e social e suas implicações. Com foco nas competições, os estudos apontam posições distintas e controversas. Melhora do desenvolvimento físico, psíquico e social são aspectos positivos fundamentais para o desenvolvimento da criança.

Para a FÉDÉRATION INTERNATIONALE DE MÉDECINE SPORTIVE ^(d) em 1997 (4):

‘o esporte de competição deve ser considerado de forma positiva, uma vez que proporciona um desenvolvimento físico, emocional e intelectual da criança e do adolescente, além de afirmar que a experiência no esporte pode desenvolver a autoconfiança e estimular o comportamento social. No entanto, segundo os membros, o treinamento intensificado com o objetivo de atingir um desempenho de alto nível não tem justificativa fisiológica nem educacional, ao contrário, leva frequentemente a um estresse físico e mental durante o treinamento e a competição‘,

afirmando ainda que a preparação intensiva para a competição desportiva de alto nível pode provocar o abandono do esporte e/ou deixar crianças com problemas psicológicos.

Abreu ^(e) em 1993 (4) aponta como aspecto benéfico da competição a aquisição de uma certa tolerância à frustração a partir do momento em que a criança experimenta êxitos e fracassos e aprende a superá-los; a não ser quando o risco de fracasso cresce devido às grandes exigências.

Para Samulski ^(f) em 1995 (4) as vantagens do esporte de rendimento para crianças consistem em pontos positivos da formação da personalidade, ‘sobretudo no âmbito social, como desenvolvimento da autonomia, autoconfiança, prazer, coleguismo, orgulho, sinceridade, pontualidade, comportamento disciplinar, responsabilidade e capacidade de comunicação’; sendo o pouco contato social devido à dedicação total exigida pelo esporte de alto nível, e a falta de tempo livre para as atividades escolares, recreativas e sociais com a família e crianças da mesma idade apontados como desvantagens.

Quanto à idade ideal para iniciar o treinamento especializado na natação, Rodrigues e Clemente (4) citam que vários autores apontam que as crianças apresentam diferenças tanto no desenvolvimento físico como na capacidade funcional e que a avaliação para o início do treinamento não deve se basear na idade cronológica, mas sim no desenvolvimento geral e principalmente na idade biológica; ou seja, o desenvolvimento fisiológico geral do organismo e o grau de maturação sexual são mais eficientes do que a estatura, o peso e a idade cronológica, uma vez que o crescimento, o desenvolvimento e a maturação variam de um indivíduo para o outro. O método de Tatafiore, de complementação do fenômeno puberal é apontado como ideal para a detecção da idade biológica.

Para Nahas ^(g) , em 1981 (4) o treinamento regular especializado só deve ter início a partir do momento em que houver um desenvolvimento básico multilateral da criança e após sua opção pela especialização em um esporte onde suas potencialidades são mais aparentes.

Por especialização esportiva precoce entende-se que a criança está sendo especializada em um determinado esporte mais cedo do que a idade apropriada para obtenção de resultados para a modalidade. O treinamento deve ser adaptado ao desenvolvimento fisiológico, físico, psíquico e social da criança e que as práticas de aprendizagem, de iniciação, de aperfeiçoamento e de competição sejam fundamentadas, orientadas e dirigidas corretamente.

As crianças precisam, antes de tudo, gostar de praticar a modalidade, passando pelos processos de aprendizagem de forma gradativa visando a evolução, para depois se tornar um(a) nadador(a); caso este seja o objetivo.

Para evitar a especialização precoce o volume de treino deve ser aumentado gradualmente, de acordo com a faixa etária e estágio maturacional, tendo em mente que as crianças precisam evoluir e obter adaptações sem serem expostas a treinamentos exaustivos que podem vir a causar a desistência.

Os aspectos positivos do treinamento precoce na natação são o desenvolvimento físico, psíquico e social. Já os pontos negativos e determinantes para o abandono estão associados às expectativas dos pais e dos técnicos às exigências e responsabilidades (como se fossem adultos) da modalidade e à falta de motivação e desinteresse; além das consequências relacionadas ao estresse do ambiente competitivo. Cansaço, perda do apetite e do sono e lesões, treinos monótonos e agressivos, falta de ludicidade, excesso de competições e cobrança por resultados e interesse por praticar outras modalidades são fatores que também levam ao abandono.

Um dado interessante é que o aspecto social aparece tanto positiva quanto negativamente. Treinar e torcer com os amigos da equipe são pontos positivos; já a ausência de convívio com familiares e colegas de escola, festas e passeios foram apontados como pontos negativos.

Professores, treinadores/técnicos e pais devem estar atentos a estas questões para que a vivência da natação possa contribuir com o desenvolvimento da criança como um todo; permitindo o prazer, a satisfação e o envolvimento com a prática, para que a natação, enquanto modalidade esportiva, acompanhe esta criança por toda vida; ou seja, na infância, na adolescência, na idade adulta e na velhice (Figura).