Após o fracasso esportivo nos Jogos Olímpicos de Montreal 1976, o governo do Canadá incumbiu ao seu Comitê Olímpico elaborar um programa de desenvolvimento esportivo que pudesse atender tanto a formação de atletas em várias modalidades (inclusive de inverno) bem como conscientizar a população canadense da importância da atividade física regular ao longo da vida.

O Modelo LTAD canadense foi desenvolvido por Istvan Balyi (1), cientista esportivo canadense, e seus colegas. Balyi é reconhecido mundialmente como um dos pioneiros no campo da LTAD e tem feito contribuições significativas para sua conceituação e implementação. Seu trabalho tem sido fundamental para a compreensão a aplicação dos princípios de desenvolvimento de atletas a longo prazo em vários esportes, incluindo a natação, estabelecendo uma estrutura de treinamento visando a progressão gradual e o desenvolvimento dos atletas, por idade, otimizando o potencial atlético, minimizando as taxas de evasão e promovendo a participação esportiva ao longo da vida. O modelo enfatiza uma abordagem equilibrada e holística além dos resultados de desempenho de curto prazo, considerando o desenvolvimento atlético e pessoal a longo prazo dos atletas.

Na Natação, após o sucesso da modalidade nos Jogos Olímpicos de Sidney 2000, o governo britânico convidou o renomado técnico de natação Bill Swetenham, responsável pelo programa de natação australiano, a rever o programa britânico, com o objetivo de a Grã-Bretanha obter resultados significativos nos Jogos Olímpicos de Londres 2012 e obtiveram resultados positivos.

O Modelo LTAD - Long Term Atlhete Development (em tradução livre: Desenvolvimento do Atleta a Longo Prazo) visa fornecer ao atleta treinamento, progressão e suporte adequados à idade ao longo de sua jornada de desenvolvimento - do primeiro contato com a modalidade, evolução de carreira, alto rendimento até a transição de carreira.

No Brasil, a nomenclatura mais utilizada, principalmente na literatura, é TLP – Treinamento a Longo Prazo. Seguindo a nomenclatura internacional, o texto utilizará LTAD.

Os princípios fundamentais da LTAD incluem:

• Estágios de Desenvolvimento: A LTAD entende que os atletas progridem através de diferentes estágios de desenvolvimento; cada um com características, necessidades e prioridades de treinamento próprias. Esses estágios podem ser definidos por idade, nível de habilidade ou nível de desempenho.
• Abordagem Multidimensional: A LTAD considera vários aspectos do desenvolvimento do atleta, incluindo habilidades técnicas, condicionamento físico, resiliência mental, compreensão tática e fatores de estilo de vida. Tem como objetivo desenvolver atletas completos, capazes de se destacarem em diferentes situações.
• Individualização: A LTAD entende que cada atleta é único e tem habilidades, potenciais e taxas de desenvolvimento diferentes. Programas de treinamento individualizados e sistemas de apoio são adaptados para atender às necessidades específicas de cada atleta.
• Perspectiva a Longo Prazo: O modelo LTAD prioriza o desenvolvimento a longo prazo dos atletas em detrimento dos resultados a curto prazo. Ele incentiva treinadores, pais, organizações esportivas e partes interessadas (patrocinadores) a se concentrarem na progressão gradual, na aquisição de habilidades e na criação de um ambiente de treinamento positivo e de apoio.
• Colaboração: A implementação bem-sucedida da LTAD requer colaboração entre treinadores, pais, atletas, especialistas em ciência do esporte e organizações esportivas. A comunicação e cooperação entre essas partes ajudam a criar um caminho de desenvolvimento ideal para os atletas.

Vários países desenvolveram modelos bem estruturados de LTAD para a natação. Esses modelos podem variar em detalhes e tecnologia específicas, mas compartilham o objetivo geral de promover o Desenvolvimento de Atletas a Longo Prazo.

Ao implementar a LTAD na natação, treinadores e organizações esportivas ( Federações e Confederações) podem fornecer uma condição bem estruturada e progressiva que apoia o crescimento dos nadadores, maximiza seu potencial e promove um amor pelo esporte por toda a vida. O objetivo é criar um caminho que garanta que os nadadores tenham habilidades técnicas, físicas e psicológicas necessárias para ter sucesso em todos os níveis da natação, desde a base até o alto rendimento.

Abaixo, alguns países conhecidos por seus modelos LTAD bem desenvolvidos na natação:

• Canadá – Swimming/Natation Canada: O Canadá tem estado na vanguarda da implantação de LTAD em vários esportes, incluindo natação. Eles desenvolveram uma estrutura LTAD que pode ser encontrada no link: https://www.swimming.ca/content/uploads/2015/06/ltad_en.pdf
• Austrália - Australian Swimming Framework (ASF): A Austrália estabeleceu um modelo LTAD robusto que enfatiza o desenvolvimento adequado à idade, a proficiência técnica e a progressão gradual através de diferentes estágios de treinamento e competição. Veja aqui: https://www.ais.gov.au/ftem
• Estados Unidos - American Development Model (ADM): Os Estados Unidos implementaram um modelo que fornece uma estrutura para o desenvolvimento de nadadores, com foco no crescimento de longo prazo, enfatizando o desenvolvimento de habilidades e equilibrando treinamento e competição em cada estágio; como podemos ver no website da USA SWIMMING: https://www.usaswimming.org/coaches-leaders/coaches/american-development-model
• Grã-Bretanha - British Swimming Pathway: O Reino Unido projetou uma estrutura para desenvolver nadadores desde o nível básico até o desempenho de elite. As etapas incluem "FUNdation" (introdução ao esporte), Desenvolvimento (especialização e aprimoramento de habilidades), Competitivo (com foco no desempenho e competição regular) e Performance (proficiência de alto nível e sucesso em nível nacional/internacional).

O modelo LTAD para natação é composto por várias etapas, que podem ter nomes ou componentes ligeiramente diferentes, dependendo do programa ou país específico; no entanto, os princípios gerais são semelhantes:

• "FUNdamentals": Esta etapa se concentra em introduzir as crianças à natação de forma divertida e envolvente, desenvolvendo habilidades fundamentais de movimento e construindo um amor pelo esporte. Nesta etapa, os nadadores desenvolvem o condicionamento geral, movimentos fundamentais e habilidades básicas de natação.
• Aprender a treinar: Os nadadores começam a se especializar em natação competitiva, aprendendo técnicas mais avançadas dos nados, princípios de treinamento e construindo uma base aeróbica sólida. O treinamento torna-se mais estruturado e sistemático.
• Treinar para Treinar: Esta etapa enfatiza o desenvolvimento de habilidades técnicas, resistência, força e velocidade. Os nadadores participam de programas de treinamento estruturados com foco em treinamento específico para eventos e condicionamento físico.
• Treinar para competir: Os nadadores refinam suas habilidades, otimizam seus treinamentos e se concentram no desempenho competitivo. Há uma maior especialização e uma maior aposta na formação e na competição.
• Treinar para Vencer: Esta etapa prepara nadadores de elite para o desempenho de alto nível. Os atletas se concentram em atingir seu potencial máximo de desempenho por meio de treinamento intensivo, refinamento técnico e competição nos mais altos níveis.
• Ativo para a Vida: Esta etapa reconhece que nem todos os atletas buscarão a natação competitiva a longo prazo. Promove a participação ao longo da vida na natação para condicionamento físico, saúde e prazer.

No Brasil, o COB - Comitê Olímpico do Brasil desenvolveu o Modelo de Desenvolvimento Esportivo do Comitê Olímpico do Brasil (2022) (2), tendo como objetivos: a) melhorar o processo de formação esportiva a longo prazo, orientando as práticas nas diversas fases de desenvolvimento de atletas, desde o primeiro contato com o esporte até o fim de sua carreira, na qual atletas de sucesso, que foram desenvolvidos de forma global, podem passar a contribuir para o sistema esportivo em outras funções; b) promover o desenvolvimento de carreira das/os treinadoras/es; e, c) melhorar a gestão do desenvolvimento esportivo das confederações esportivas do Brasil.

O Modelo do COB serviu de base para o Modelo de Desenvolvimento da Natação do Brasil, editado pela CBDA – Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, com lançamento em março 2024 (até o momento da elaboração deste texto, não disponível para acesso), com sete etapas, conforme segue.

Etapa 1: Vivências Motoras

Experimentar e Brincar (até 8 anos): Prática livre com jogos e brincadeiras infantis em ambientes divertidos, desafiadores e diversificados em um contexto informal (família, amigos) ou formal (primeiros contatos com esporte, na escola, clubes ou academias). Adaptação das experiências esportivas às características e potencialidades da modalidade.

Objetivos:

- Prazer e motivação para envolvimento com práticas corporais variadas.
- Desenvolvimento de competências corporais básicas e diversificadas.
- Relacionamento saudável e amistoso com pares e adultos.

Etapas 2 e 3: Processos sistematizados de aprendizagem-treinamento da modalidade

Brincar e Aprender (6 a 12 anos): Iniciação esportiva: primeiro contato sistematizado organizado por treinadoras/es para aprendizagem do esporte. Início: em qualquer momento, sendo mais comum na infância e adolescência. Final: na escolha de modalidades com maior afinidade.

Objetivos:

- Prazer e motivação pela prática e aprendizagem esportiva formal e/ou estruturada.
- Competências corporais amplas e diversificadas que permitam envolvimento com a prática esportiva com criatividade e autonomia.
- Autoconfiança e motivação para engajamento em jornadas pessoais de desenvolvimento esportivo.
- Relacionamento saudável e amistoso com pares e adultos.

Aprender e Treinar (10 a 16 anos): Especialização esportiva em contexto formal de prática de uma ou mais modalidades esportivas, com prática caracterizada por treino e participação em competições. Início: na escolha de modalidades pelo/a praticante (comumente na adolescência). Final: entrada no processo de treinamento de rendimento.

Objetivos:

- Desenvolvimento de competências esportivas específicas da modalidade praticada.
- Engajamento com a jornada pessoal de desenvolvimento esportivo.
- Prática dos valores do esporte em treinamento e competição.
- Desejo de ingressar na jornada do rendimento para aqueles que demonstrem potencial de desempenho esportivo de acordo com indicadores específicos de cada modalidade.
- Desejo de prosseguir na prática esportiva de participação para aqueles que não demonstrem potencial para o rendimento.

Etapas 4, 5 e 6: Carreira Esportiva de Rendimento e Caminho da Medalha

Treinar e Competir (14 a 23 anos): Últimas etapas do processo de especialização na modalidade escolhida e de potencial do/a atleta, que participa de competições de alto nível, ainda em categorias com limitação etária, em preparação para a categoria adulta e o esporte de elite. Duração de aproximadamente 4 ou 6 anos. Início: comumente na categoria juvenil. Final: na transição da categoria júnior – adulto.

Objetivos:

- Compromisso com evolução do desempenho esportivo.
- Equilíbrio da vida pessoal com o treinamento esportivo, ajustando outras demandas sociais com a esportiva na expectativa de alcançar resultados elevados em sua categoria.
- Tolerância a cargas físicas e psicológicas progressivas de treinamento e competição. Fortalecimento do caráter, com atitudes éticas dentro e fora do esporte.
- Estabilidade emocional frente às exigências típicas da rotina de atleta em treinos e competições.
- Apropriação e uso de conhecimentos aplicados das ciências do esporte em sua rotina diária com suporte da equipe interdisciplinar.
- Estabelecimento de metas em desempenho e resultado de curto, médio e longo prazos.

Competir e Vencer (18 a 25 anos): Alto desempenho esportivo, marcado pelo treino intenso e ajustes ao máximo nível de competição. Duração de aproximadamente 4 ou 6 anos. Início: na busca pela competitividade em eventos de alto nível na categoria adulta. Final: ao completar um primeiro ciclo de competições em alto nível de desempenho na categoria adulta.

Objetivos:

- Autocontrole emocional frente às exigências típicas da rotina de atleta em treinos e competições, com melhora regular de desempenho esportivo ao longo dos anos.
- Postura de competidor/a com atitudes e comportamentos que sirvam de referência para jovens em desenvolvimento.
- Postura de aprendizagem frente às primeiras participações nas competições adultas, com desempenho equilibrado e expectativa dos melhores resultados pessoais, avaliando os ciclos de preparação de cada competição.
- Autoconhecimento e autogerenciamento da rotina de atleta e envolvimento no planejamento de treinos e descanso.
- Responsabilidade pela carreira esportiva com disciplina, determinação e autonomia, em equilíbrio com a vida pessoal.
- Participação ativa e responsável nas decisões relacionadas à carreira. Inclusão de elementos de autorrealização no estabelecimento de metas da carreira.
- Visão realista do seu potencial esportivo com plano de metas para sua carreira.

Vencer e Inspirar (22 a 40 anos): Manutenção do alto nível de desempenho e constante busca por melhores resultados e medalhas, servindo ao mesmo tempo como concorrente e inspiração para atletas mais jovens. Início: ao final do primeiro ciclo em competições de alto nível na categoria adulta, sendo agora um/a atleta adulto/a experiente. Final: no início do processo de transição para a pós-carreira esportiva.

Objetivos:

- Autogestão da carreira de atleta (saúde/ desempenho/educação), conciliando com as demandas sociais.
- Relacionamentos positivos com os setores de suporte à carreira (time, comissão técnica, clube, empresários, patrocinadores, mídia, investidores, instituições e entidades de apoio político, econômico e social).
- Manutenção de hábitos e rotinas como atleta de referência e com foco em resultados superiores e conquista de medalhas.
- Consolidação em alto nível competitivo. Inspiração e fonte de conhecimento para atletas em desenvolvimento.
- Competências e habilidades para lidar com longos processos de treinamento, recuperação e alcance de resultados de excelência.
- Planejamento do encerramento de carreira.

Etapa 7: Transição para o pós-carreira esportiva de rendimento

Inspirar e Reinventar-se. Redução do volume e intensidade de treinamento esportivo e participação em competições, preparando-se para o momento do encerramento da carreira esportiva. Início: no processo de transição para a pós-carreira esportiva. Final: se prolonga por toda a vida.

Objetivos:

- Postura responsável, alinhada ao seu legado esportivo, inspirando novos atletas.
- Referência em eventos promovidos por organizações atuantes em sua modalidade esportiva.
- Preparação para nova carreira, dentro ou fora do contexto esportivo.
- Cuidados com o corpo considerando o desgaste de uma carreira esportiva em alta performance.
- Manutenção do estilo de vida ativo, encontrando prazer em atividades com menos intensidade.
- Adaptação ao novo contexto social, profissional e financeiro.

Importante ressaltar que as idades indicadas são aproximadas e não devem ser limitantes para a seleção de atletas em função das características individuais.

Veja a figura esquemática que ilustra este artigo, de visualização das etapas conforme escolha do "Esporte para a Vida ou o Caminho para a Medalha".

Nas etapas 1, 2, 3 e transição da 3 para a 4 é caracterizada pelo que é denominado Esporte de Participação. As etapas 4, 5 e 6 é chamada Caminho da Medalha e, finalmente a etapa 7 é chamada de Esporte para a vida.

Até aqui foram destacadas as etapas para a carreira competitiva. E quem não gosta ou não quer de competir e só quer nadar pelo prazer da atividade física, o que fazer? Neste caso, sugere-se o desenvolvimento das etapas 1, 2 e 3 e; a partir daí permanece no Esporte de Participação com direcionamento para o Esporte a Vida, com as etapas 4, 5 e 6 desenvolvidas em atividades para o condicionamento físico, saúde e qualidade de vida.

Por fim, deve-se destacar as três dimensões envolvidas no modelo LTAD: a pessoa, o esporte e a gestão.

A dimensão da pessoa engloba os elementos físicos, psicológicos e sociais de cada nadador inserido no modelo; a dimensão do esporte relaciona os elementos relativos às características ou demandas esportivas do treino e da competição, assim como valores vividos no esporte nas diferentes etapas da carreira; já a dimensão da gestão indica o que as organizações esportivas precisam oferecer de recursos e suportes institucionais e individuais para que seja possível o desenvolvimento de cada atleta.

Massetto, Vitor e Massa (3) apresentam uma proposta de TLP – Treinamento a Longo Prazo para a natação brasileira a partir das capacidades de desempenho esportivo e processo de ensino-aprendizagem, dos pressupostos individuais de desempenho e das estruturas técnicas e organizacionais para se chegar ao ótimo desempenho; além de sugerirem avaliações específicas.

O modelo do COB não se restringe apenas ao desenvolvimento da carreira do/a atleta. Outro ponto de destaque diz respeito ao desenvolvimento da carreira do/a treinador/a e sua área de atuação nas diferentes etapas; tanto no Esporte de Participação quanto no Esporte de Rendimento; em que é posposto um plano de carreira, com estrutura hierárquica – professor/a, treinador/a assistente ou auxiliar, treinador/a e coordenador/a técnico/a; respeitados o perfil de cada profissional – iniciação, aperfeiçoamento e treinamento; bem como a necessidade de educação continuada específica da modalidade, por meio de cursos, clínicas, palestras, workshops etc.

Independentemente da área de atuação de cada um, seja em clube, escola de natação ou academia; iniciação ou treinamento; recomenda-se a leitura do Modelo de Desenvolvimento Esportivo do Comitê Olímpico do Brasil e o da Natação (quando disponível). Somente conhecendo a estrutura esportiva do país é possível ter uma natação mais forte e representativa.