Artigo - Periodização do treinamento visando performance em natação


Periodização baseada em ATR levou Fernando Scherer ao bronze em Atlanta'96

Figura 1. Periodização baseada em ATR levou Fernando Scherer ao bronze em Atlanta'96 (1,2, Apêndice).


Periodização do treinamento visando performance em natação

Paulo Franco Rosa Nadar!
Lúcio Franco Rosa Nadar!

Palavras-chave: periodização, treinamento, performance, temporada, endurance, polimento, natação competitiva

https://n2t.net/ark:/21207/NADAR.v2i165.19

RESUMO

Muitos artigos já relataram como treinadores de grandes campeões organizam suas temporadas. Faltava mostrar como a média dos técnicos tem realizado seu trabalho, permitindo inclusive, suprir a falta de comunicação entre estes profissionais, até porque apesar de cada um fazer a sua maneira, existem padrões atestados pela média dos estudos realizados e nos quais podemos nos basear. Nossa breve revisão tentará responder questões como: a) como dividir a temporada; b) distâncias a serem nadadas em cada fase; c) número de sessões por semana e d) como dividir os nadadores. As respostas serão encontradas na metodologia de periodização do treinamento, que pode ser definida assim:

'o sequenciamento proposital de unidades de treinamento (ciclos e sessões de treinamento de longo, médio e curto prazo) projetados para produzir adaptações acumuladas que atingem o pico durante as principais competições.' (3)

INTRODUÇÃO

A ideia de organizar os treinos por períodos não é nova; na verdade, o assunto foi levantado pelos antigos gregos (4). A preparação para os jogos olímpicos era precedida por toda uma organização de rotinas e testes dos atletas, que tinham início cerca de 10 meses antes dos eventos principais. Todavia, os estudos específicos voltados para periodização do treinamento são relativamente recentes e datam dos anos 80 aos dias atuais. Se fizermos uma pesquisa no Google Scholar para "training periodization" entre os anos 1980 e 2000, encontramos apenas 8.500 resultados; já se fizermos a busca entre os anos 2000 e 2020 serão 19.900 resultados. Para um mesmo período de tempo, ou seja 2 décadas, obtivemos mais que o dobro de resultados. Ainda assim, merecem destaque alguns estudos realizados pelos pioneiros, como o russo Lev Pavlovich Matveev, considerado o pai do treinamento desportivo, Mike Murphy conhecido por transformar o treinamento desportivo em ciência e Luri Pinkala que desenvolveu uma metodologia de treinamento revolucionária para os anos 30 abordando trabalho X descanso; diminuição de quantidade X aumento de intensidade; definição de período de treino (semana, mês, ano, etc.). Eles deram as primeiras pinceladas sobre periodização e ainda servem de base para muitos estudos (sugestões de leitura na bibliografia).

PANORAMA DA EVOLUÇÃO DO PLANEJAMENTO DA TEMPORADA

Nas últimas décadas a forma de aplicar as rotinas de periodização tem passado por questionamentos e há alguns modelos de trabalho em pauta. Pesquisadores (4) identificaram que nadadores altamente treinados seguem um volume de treinamento e respectiva distribuição de intensidade periodizados com base em seu evento principal. Os nadadores velocistas seguiram tipicamente um planejamento polarizado e limiar, os nadadores de meia distância seguiram um plano limiar e piramidal e os nadadores de longa distância seguiram principalmente um trabalho piramidal. O modelo de periodização identificado na maioria dos estudos selecionados é caracterizado por ciclos ondulatórios em unidades como mesociclos para promover adaptações fisiológicas e aquisição de habilidades.

Todavia há necessidade de mais estudos experimentais sobre os efeitos no desempenho final de atletas da natação de acordo com os modelos de periodização utilizados, como por exemplo, de bloqueio e periodização reversa. Além disso, nos últimos anos as técnicas evoluíram claramente, e os avanços no conhecimento científico e empírico podem ter contribuído para mudanças nas práticas.

O que muitos estudos tem tentado demonstrar é que nas últimas décadas, inevitavelmente se desenvolveram contradições entre o modelo tradicional de periodização e as exigências da prática esportiva de alto rendimento (6). Hoje um planejamento de periodização do treino, deve levar em conta o risco de mixar modalidades diferentes para evitar respostas fisiológicas diferentes e mesmo um subtreinamento; também deve evitar multidirecionamento do treino que levaria a excesso de fadiga; e finalmente, pensar em conceitos alternativos de periodização, como por exemplo, o modelo de periodização em bloco.

Ainda assim, paralelamente a estas pesquisas (4-6) trabalhar com teorias e práticas já consagradas pode ser mais seguro, afinal mesmo em casos onde haja carência de rigor científico para nortear sua aplicação, a periodização é amplamente praticada e recomendada (7). E, treinadores tem obtido sucesso na atualidade baseando-se nos tradicionais ensinamentos de Lev Pavlovich Matveev (8), já que a forma tradicional de periodização, uma divisão de todo o programa sazonal em períodos e unidades de treino menores, foi bem proposta e elucidada. Desde então, o esporte internacional e a ciência do esporte passaram por grandes mudanças, enquanto a periodização tradicional do treinamento permaneceu mais ou menos no mesmo nível (6) essencial, 'sendo considerada um método superior para desenvolver o desempenho máximo de um atleta'(7).

UM PLANEJAMENTO OBJETIVO DE PERIODIZAÇÃO DO TREINAMENTO

Um importante estudo (9, Figura 2) será esmiuçado nas nas próximas linhas, pois trata-se de uma tentativa de definir um padrão ideal de treinamento a partir de entrevistas com dezenas de técnicos e nadadores. O trabalho não foi conclusivo, já que os estudiosos constataram contradições entre as respostas dos questionários e a observação prática dos treinos, mas oferece pistas para trilharmos o melhor caminho nos desafios da periodização.

Segundo a referida pesquisa, no geral os técnicos dividem seus pupilos, não de acordo com a idade, mas sim de acordo com a especialização em dois grandes grupos: velocistas e meio-fundistas e a temporada se divide em quatro fases: endurance ou construção, especialização, polimento e pós-competição. As temporadas de verão e de inverno tem poucas diferenças nos aspectos da prescrição de treinamento. Exceções foram a prescrição de menos distância intercalada por semana para velocistas durante as fases de endurance e especialização do treinamento no inverno, e menos distância total por semana para todos os nadadores na fase de especialização no inverno. Com relação a duração de cada fase do treinamento e o número de sessões semanais por fase não há grandes diferenças entre velocistas e meio-fundistas. Quase metade da temporada foi dedicada ao período de endurance, seguido por uma redução gradual na duração de cada fase com a aproximação da competição. Na média, os técnicos prescreveram um polimento mais longo para os velocistas e uma sessão de treino a mais por semana para meio-fundistas durante toda a temporada. Imediatamente antes da competição mais importante, ambos os grupos tiveram apenas pouco mais de um dia de descanso.


Duração das fases da periodização no semestre competitivo (em semanas)

Figura 2. Duração das fases da periodização no semestre competitivo (em semanas) (9).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Via de regra, a maioria dos planejamentos de periodização compartilham uma distribuição comum de treinamento em fases de preparação geral, preparação específica, competição e transição, onde o programa de treinamento é elaborado de acordo com as principais metas de desempenho para a temporada e dividido em fases - que evoluem de acordo com o estágio anterior - com cargas de treinamento sendo aumentadas progressivamente e ciclicamente, acompanhadas de etapas de recuperação ou regeneração, onde a melhoria e manutenção das habilidades atléticas gerais é um componente subjacente do programa. (3)

Para finalizar sugerindo pesquisas futuras, é notório que a periodização entendida simplesmente como planejamento sistemático de programas de treinamento, tem tradicionalmente focado no aspecto do exercício da preparação atlética, negligenciando a integração de outros elementos (como nutrição, biomecânica, ou psicologia) que podem afetar a aptidão de um atleta para o alto desempenho na competição (3). Assim, na atualidade, são bem-vindos estudos que busquem entender melhor a chamada periodização integrada.

REFERÊNCIAS

(1) Rosa PF. A nova temporada. Nadar Rev Bras Esp Aquat 1996; 95:19-22

(2) Prado R. A nossa olimpíada. Nadar Rev Bras Esp Aquat 1996; 101:20-23

(3) Mujika I, Halson S, Burke L M, Balague G. An Integrated, Multifactorial Approach to Periodization for Optimal Performance in Individual and Team Sports. International Journal of Sports Physiology and Performance [Internet]. 2018 May [cited 2022 Mar 25];13(5):538-561. DOI 10.1123/ijspp.2018-0093. Available from: http://dx.doi.org/10.1123/ijspp.2018-0093

(4) González-Ravé JM, Hermosilla F, González-Mohíno F, Casado A, Pyne DB. Training Intensity Distribution, Training Volume, and Periodization Models in Elite Swimmers: A Systematic Review. International Journal of Sports Physiology and Performance [Internet]. 2021 May [cited 2022 Mar 25];16(7):913–926. DOI 10.1123/ijspp.2020-0906. Available from: https://doi.org/10.1123/ijspp.2020-0906

(5) Hellard P, Avalos-Fernandes M, Lefort G, Pla R, Mujika I, Toussaint J-F. Elite, et al. Swimmers’ Training Patterns in the 25 Weeks Prior to Their Season’s Best Performances: Insights Into Periodization From a 20-Years Cohort. Front. Physiol [Internet]. 2019 Apr 10 [cited 2022 Mar 25];10 DOI 10.3389/fphys.2019.00363. Available from: https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fphys.2019.00363/full

(6) Issurin VB. New Horizons for the Methodology and Physiology of Training Periodization. Sports Medicine [Internet]. 2010 [cited 2022 Mar 25];40:189–206. DOI 10.2165/11319770-000000000-00000. Available from: https://link.springer.com/article/10.2165/11319770-000000000-00000

(7) Turner A. The Science and Practice of Periodization: A Brief Review. Strength and Conditioning Journal [Internet]. 2011 Feb [cited 2022 Mar 25];33(1):34-46. DOI 10.1519/SSC.0b013e3182079cdf. Available from: https://journals.lww.com/nsca-scj/fulltext/2011/02000/The_Science_and_Practice_of_Periodization__A_Brief.6.aspx?fbclid=IwAR2VmK_OrHRoSxUIaJfdqH7iR1fEA1eKs6Qk-HpIiugwbWAxpAgKdjJYq5A

(8) González-Ravé JM, Pyne DB, Del Castillo JA, González-Mohíno F, Stone MH. Training periodization for a world-class 400 meters individual medley swimmer. Biology of Sport [Internet]. 2021 Nov [cited 2022 Mar 25]; DOI 10.5114/biolsport.2022.109954. Available from: https://www.researchgate.net/profile/Fernando-Gonzalez-Mohino/publication/356342074_Training_periodization_for_a_world-class_400_meters_individual_medley_swimmer/links/6196133fd7d1af224b014148/Training-periodization-for-a-world-class-400-meters-individual-medley-swimmer.pdf

(9) Stewart AM, Hopkins WG. Seasonal training and performance of competitive swimmers. Journal of Sports Sciences. 2000;18(11):873-884.

BIBLIOGRAFIA

Matveev LP. Teoria general del entrenamiento deportivo. Zaragoza: Paidotribo; 2001. 306 p. ISBN: 978-8480195041.

Pinkala L. Athletics. Munick: [publisher unknown]; 1930.


Nas próximas linhas o técnico de natação Carlos Camargo descreveu o trabalho com o velocista Fernando Scherer para a olimpíada de Atlanta em 1996, onde o nadador obteve o bronze.

'Em uma temporada cujo objetivo principal é em julho, há tempo suficiente para um nadador com as características de Scherer, armazenar todos os ganhos fisiológicos provenientes dos treinamentos, desde que estes começassem em Janeiro, o que ocorreu. Mas, que características são estas?
Como já foi publicado na revista Nadar!, alguns atletas conseguem se recuperar e se manter bem com mais facilidade do que outros e principalmente assimilam com muita presteza a carga que lhes é imposta. Este é o caso de Fernando Scherer.
Conhecendo o atleta e após observar em várias temporadas quais as curvas de treinamento a longo prazo com melhor relação custo-benefício, optei por uma temporada mista com o emprego do ATR (F.Navarro) , que consiste em ciclos intensivos do uso de um determinado sistema energético, onde em A (Acumulação), é reforçado o sistema aeróbico, em T (Transformação), o enfoque é sobre o sistema anaeróbico de intensidade e finalizando em R (Realização), que é o período competitivo. Estas três fases, que podem ser divididas de acordo com a temporada pelas semanas disponíveis, servirão de base para o sistema convencional de treinamento, onde os períodos básico e específico culminarão com o período de pré-polimento e polimento no final do mês de Junho.
É importante ressaltar que em todas as fases desta temporada o trabalho de velocidade e coordenação técnica com velocidade será mantido, quer seja com exercícios de velocidade pura, resistência de velocidade e até mesmo com alguns estímulos de potência.
Este planejamento misto tem por objetivo fazer com que o atleta se mantenha durante o período básico com capacidade competitiva e proporcionar-lhe um constante trabalho de qualidade. Ainda dentro do Básico, os dois ciclos de ATR, que vão de janeiro à abril, serão progressivos, tanto em metragem quanto intensidade, entrando o segundo trabalho de Transformação em 14 de Abril juntamente com o ciclo específico, já daí em diante, haverá apenas um breve período de Realização, que poderá ser ou não na Seletiva ou em uma competição a ser definida pela confederação. Após esta última competição, todo trabalho específico será voltado para eficiência do nadador nas séries, o que eu espero seja a chave para um bom resultado olímpico.
Por último, na fase de polimento, onde eu coloco a sensibilidade do nadador como um "feed-back" fundamental, as séries de manutenção aeróbica e de qualidade de velocidade serão as últimas fichas da aposta na periodização.'

Apêndice. EXEMPLO DE TRABALHO PRÁTICO DE PERIODIZAÇÃO (1, Figura 1)


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