Versão Digital - A filosofia construtivista no ensino da natação: Proposta metodológica


A filosofia construtivista no ensino da natação: Proposta metodológica

Nota do Editor: Imagem meramente ilustrativa. Fonte: ARQUIVO NADAR! - Luiz Duarte/SEET-SP (AI Colorized)


A filosofia construtivista no ensino da natação: Proposta metodológica (a)

Helena Alves D' Azevedo Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Lizette Dias de Castro Miguens Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Palavras-chave: natação, aprendizagem, construtivismo, metodologia, natação infantil

https://n2t.net/ark:/21207/NADAR.v4i167.101

RESUMO

Considerando que o ensino da natação tem por objetivo, na maioria das vezes, a aprendizagem dos quatro nados para um possível encaminhamento para a natação competitiva,consideramos que o aprendiz em geral não é capaz de “ livrar-se” de prováveis situações negativas dentro d' água. A perda da sensação de apoio e a passagem da posição vertical à horizontal, faz com que as sensações se tornem novas e muitas vezes adversas, além disso, nas piscinas por um problema de manutenção e filtragem torna-se obrigatório o uso de touca o que evita o problema dos cabelos atrapalhando no rosto e escorrendo permanentemente água, situação esta que pode ocorrer com o nosso iniciante fora da aula, tornando-o incapaz de solucionar problemas, além disso acidentes podem ocorrer de roupa, de sapato e de “n” outras formas que não são previstas numa aprendizagem formal de natação. O presente estudo pretende propor uma metodologia de aprendizagem que englobe uma capacitação para as diversas possibilidades que a água oferece.

INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende propor uma metodologia de aprendizagem que englobe uma capacitação para as diversas possibilidades que a água oferece. Levará em conta, também, que a criança, nos dias de hoje, está muitas vezes limitada, atrasando o seu desenvolvimento psicomotor. Ele não pretende encerrar-se no próprio estudo, mas levantar a possibilidade de uma metodologia de natação que ensine, de acordo com a idade e com as necessidades individuais, tendo o cuidado com o desenvolvimento integral da criança e que ainda previna situações de perigo futuras.

O Construtivismo

As folhas só podem germinar da planta de dentro para fora. A educação tradicional assemelha-se à tentativa de fazer crescer árvores guardando-lhes folhas por fora. Não é de se admirar que as folhas se desgrudem tão logo terminem os exames! Pressupõe que tudo deva ser ensinado às crianças, e pretendemos que saibam aquilo que é válido saber. A educação construtiva, embora não diametralmente oposta a esse conceito, pretende que as crianças devam ser deixadas completamente sós para que construam seus próprios conhecimentos.

Na educação construtiva o professor dá instruções, mas baseia-se nos seguintes princípios interacionistas:

  • 1. As crianças aprendem rapidamente quando estão pessoalmente interessadas e mentalmente ativas;
  • 2. A meta de longo alcance da educação deve ser autonomia e não a habilidade de declinar as respostas “certas“;
  • 3. Os professores devem reduzir sua força e estimular as crianças a debater honestamente seus pontos de vista a fim de promover o desenvolvimento da autonomia.

REVISÃO

Para atingirmos o objetivo do estudo que nos propomos é necessário conhecermos as características e necessidades básicas das crianças de 4 a 14 anos. A psicomotricidade da segunda infância (3 a 4 e 7 a 8 anos) é o período das aprendizagens essenciais. É a integração progressiva ao plano social. Ocorre a tomada de consciência do próprio corpo, a afirmação da dominância lateral, orientação com relação a si mesmo, uma adaptação ao mundo interior. Os problemas motores e psicomotores que por ventura ocorram nesta etapa estão estritamente ligados aos problemas afetivos e psicológicos.

Veja na Tabela as características e necessidades por faixas etárias.


Idade (anos) Características
4
- É ativa, barulhenta, instável e explosiva.
-Tem necessidade para seu equilíbrio emocional de passar várias horas ao ar livre)correndo, saltando e pulando. A saúde nesta fase é boa e não se cansa nunca.
- Uma criança de 3 anos insiste no movimento, mesmo na escola, ao passo que uma de 4 anos se adapta para resolver a situação.
5
-Toma intenso contato com a realidade, fica fascinada e quer saber sempre mais. -Passa por uma fase de teimosia, discute, argumenta, quer ter razão.
-A motricidade, além de ser mais equilibrada, fica aquietada, já consegue ficar bastante tempo sentada, sobe e desce escada facilmente e desfruta desta atividade. Ainda poderão fazer uso de ambas as mãos, mas a lateralidade já impõe a mão dominante e com ela comem, pintam e executam movimentos de dança, mesmo sem música.
6
-A maioria das crianças aos 6 anos passa por uma fase difícil na escola e no lar.
-A motrocidade nesta fase, caracteriza-se pela hiperatividade: a criança corre à toa, fica irriquieta, mexe-se na cadeira, esbarra com coisas e pessoas, faz mímica, arranja tiques etc. Tem prazer em desenhar e colorir. Quando se juntam várias da mesma idade, suas brincadeiras são barulhentas, e difíceis para os mais velhos suportarem por muito tempo.
7
-Aos 7 anos, de modo geral, a criança passa por uma fase relativamente tranquila, fica mais introspectiva e, quando tem problemas com o grupo, prefere brincar sozinha.
-Fica humilhada e envergonhada quando lhe apresentam um erro, pois nessa idade é extremamente sensível às críticas.
-Os meninos são muito sensíveis à professora e poderão ficar desencorajados para estudar e até traumatizar-se, se no meio do ano, lhes trocam a professora.
8
-Aos 8 anos a criança é menos introversiva que aos sete, mais barulhenta e expansiva, dá impressão de maturidade e algumas mudanças no seu aspecto já pressagiam a puberdade. Não se entregam com tanta frequência as fantasias; o mundo lhes parece fascinante, querem saber tudo, fazem suas críticas, acham defeitos nos adultos e ao mesmo tempo imitando-os. Do ponto de vista motor, refletem grande harmonia, sendo por isso uma boa fase para dar início a diversos esportes.
9
-Dificilmente uma criança de nove anos precisa de ajuda psicológica, pois apresenta um ótimo nível de coerência e de equilibrio emocional, sabe manter boas relações com seus semelhantes. É muito crítica em relação a si mesma e aos outros.
-As situações competitivas causam-lhe angústias. Precisa nesta fase, provar a si mesma de que é capaz em todos os campos para mais tarde entregar-se ao prazer da competição. É resistente à fadiga, executa exercícios violentos.
10 - As diferenças psicológicas de ambos os sexos apresentam-se bem definidas, a mentalidade com que enfrentam a vida é totalmente diferente. As meninas são mais calmas, andam misteriosas, sempre com algum segredinho para contar às outras; fazem questão de sua aparência e são extremamente sensíveis aos problemas familiares. O garoto, pelo contrário, pouco se interessa pelos problemas sociais ou familiares, mostra-se interessado na “turma”, no clube, etc.
11 - Já é quase um pré-adolescente que anseia por liberdade e tem uma certa tendência a encontrar na própria familia uma porção de defeitos. O fator sexual começa a se fazer sentir, a fase de latência já está longe e a criança é mais vulnerável e aberta aos problemas do sexo.
12
- Aos doze anos existe uma grande margem de diferença no crescimento físico.
- Segundo Gesell (1) o esporte que atrai a todos por igual é a natação. O aumento da massa corporal favorece a flutuação. Gostam de nadar no verão e no inverno.
- Gostam de receber instruções para melhora da técnica.
13
- Uma criança típica de 12 anos é alegre, uma de 13 é reflexiva.
- É uma idade de complexas transformações que envolvem tempo, corpo, mente e personalidade.
14
- Tende a ser mais extrovertida, expressiva e alegre que aos 13,
- Podem experimentar temores diversos.
- Aceita o mundo como ela encontra. Se sentem orgulhosas de suas aptidões esportivas.

Tabela. A Evolução da Criança.


Já a natação passou por muitas fases e foi adaptando-se aos anseios da era moderna.

Catteau e Garoff (2) resumiram as formas de aprendizagem da natação em três correntes fundamentais:

  • CORRENTE ANALÍTICA: preconiza formas coletivas de trabalho sob a orientação do professor. Utilização de exercícios educativos como meio de chegar a aprendizagem. A natação é restrita aos movimentos dos nados;
  • CORRENTE GLOBAL: não há um método, e a aprendizagem é lenta devido às necessidades do momento. Existe a participação ativa do aluno. E uma construção de interesses;
  • CORRENTE MODERNA: É a concepção mais recente e racional. É a reunião dos pontos positivos de outros métodos. Não se limita aos aspectos formais particulares dos nados. Procura o equilíbrio (com base na posição horizontal), da técnica respiratória e a unidade de propulsão.

METODOLOGIA

1ª Etapa: 4 aos 6 anos

Nesta etapa visamos o desenvolvimento geral da criança. Procurando uma perfeita adaptação com o meio líquido e visando também a sobrevivência.

Consideramos esta etapa de muita importância, por esta razão não nos preocupamos com um limite de tempo para cada fase da aprendizagem. O professor deve estar consciente da evolução da turma, esgotando todas as potencialidades de seus alunos e, antes de passar adiante deve analisar exaustivamente se foram atingidos os objetivos propostos e, se necessário for, retornar para alcançá-los na sua plenitude.

Vamos trabalhar adaptação: ao local das aulas (piscina, vestuários, ducha) ao controle dos esfíncteres; ao professor; a independência dos pais (desvinculação da presença dos pais no local de aula); à piscina propriamente, parte rasa, funda, escada, bloco, mesa, ralos, etc.; do professor aos seus alunos, sondagem das potencialidades através de estímulo (brincadeiras). Neste momento o professor estará analisando o que cada criança é capaz de fazer, para poder proceder à divisão da turma em até 3 níveis (grupos).

Independência dentro d' água: deslocamento com e sem auxílio do professor ou de acessório, através de brincadeiras variadas, ainda com o apoio dos pés no chão, ou sobre blocos, mesa. etc.

Imersão: começa desde os primeiros respingos de água no rosto. Pela observação das reações dos alunos durante esta fase o professor vai, gradativamente, aumentando o grau de dificuldade. Utiliza-se primeiramente a imersão provocada, passando-se para a imersão espontânea, respeitando a individualidade de cada aluno.

O sucesso desta fase depende muito do estímulo que o professor passar para seus alunos. É muito importante a participação sempre motivadora do professor, que deve demonstrar toda a naturalidade durante os mergulhos. Os deslocamentos submersos de curta distância também são explorados sempre com algum estímulo (por exemplo: pegar objetos no fundo da piscina, etc.).

A partir do domínio do mergulho devemos favorecer e incentivar, ao máximo, a realização de atividades de destreza, equilíbrio, coordenação, velocidade, resistência moderada, lateralidade, bem como entradas na água através de saltos variados, saídas da piscina pela escadinha, com e sem auxílio, etc.

Flutuação: a) estática: ventral e dorsal, com e sem auxílio. Nesta fase procuramos trabalhar bastante a troca de posição sobre a água, bem como a recuperação da posição vertical partindo-se da posição horizontal (após a flutuação). b)dinâmica: ventral e dorsal com e sem auxílio. Sem batimento de pernas.

Propulsão: o objetivo desta fase é o aprendizado de formas básicas de se deslocar na água. Sem a preocupação específica de técnicas, tanto na forma dorsal como ventral, e a aprendizagem do nado utilitário, elementar humano, mais conhecido como “cachorrinho”.

Respiração: não constitui-se de uma etapa isolada. Os exercícios de respiração dentro da água são trabalhados durante todas as demais etapas. Desde o bloqueio respiratório (apneia) até a fase de expiração do ar (dentro d'água), passando pela etapa das respirações cíclicas. Sempre se procurando dar ênfase ao ritmo respiratório.

A realização desta etapa do trabalho de 4 a 6 anos é prevista para ser desenvolvida durante o período de 4 bimestres. O professor que julgar ser possível introduzir a aprendizagem dos nados crawl e costas (fundamentos), o fará somente após esgotar todos os itens previstos anteriormente nesta proposta metodológica.

Após este período de adaptação ao meio líquido na piscina de aprendizagem, onde a criança tem pé, passaremos para uma adaptação em piscina funda. A criança irá executar o nado elementar humano (cachorrinho), saltos, mergulhos, etc., visando a segurança em qualquer profundidade. Cabe salientar que toda esta etapa de aprendizagem ocorre de forma lúdica e que os objetivos previstos são operacionalizados pelo professor de forma que a criança os receba como um novo desafio a ultrapassar brincando.

2ª Etapa: 7 aos 14 anos

Nosso objetivo principal nesta etapa é a aprendizagem dos nados crawl, costas e peito. O período que levaremos para atingir este objetivo não está condicionado a um numero “x“ de aulas, mas sim, á evolução dos nossos alunos.

1º Nível: todas as etapas iniciais de aprendizagem e ainda fundamentos dos nados crawl e costas.

Estará apto para passar ao segundo nível o aprendiz que dominar a sustentação do próprio corpo nos nados crawl e costas, além de respiração rudimentar e cíclica, coordenação de movimentos de braços e pernas, sendo capaz de atravessar uma piscina (cerca de 16 metros). Nesta fase

"é importante não só a riqueza de gestos e movimentos mecânicos que facilitem a ação defensiva de submeter-se ao meio, como também a educação do comportamento e atitudes do homem frente a esse meio” (3).

Sempre se deve levar em consideração que quanto maior o número de experiências maior será a capacidade de resolução de problemas dentro de cada objetivo.

Propomos a utilização da sequência: imersão, flutuação, propulsão, respiração, com abordagem ampla em todos os planos e posições (vertical, horizontal, de frente, de costas, submerso, etc.).

2º Nível: aperfeiçoamento da técnica dos nados crawl e costas, com ênfase na respiração lateral; fundamentos do nado de peito; vivências de atividades aquáticas alternativas (nadar de roupa, sapato, prática de nados utilitários, etc.).

3º Nível: oportunizar maior aprendizagem dos nados, podendo aprimorar mais a técnica, com adaptação ao não ter pé, mergulhos e saltos na piscina funda e adaptação do método de trabalho da piscina semi-olímpica. O aprendiz deverá ser capaz de nadar um percurso de no mínimo 25 metros (sem dar pé).

CONCLUSÃO

Este trabalho de pesquisa realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil) utilizou a filosofia construtivista no ensino da natação e lançou a proposta de uma metodologia de aprendizagem.

REFERÊNCIAS

(1) Gesell A. El Adolecente de 10 a 16 anos. Buenos Aires: Paidos; 1960.

(2) Catteau R, Garoff G. O Ensino da Natação. São Paulo: Manole; 1990.

(3) Santiago LV. Natação Master: Resistindo à velhice. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. 1994;(15):277.

BIBLIOGRAFIA

Gesell A. El niño de 1 a 5 años. Buenos Aires: Paidos; 1978.

Machado DC. Metodologia da Natação- Nível I. São Paulo: Esporte e Educação Ltda; 1974.

Rizzo G. Educação Pré- Escolar. São Paulo: Francisco Alves; 1989.

Palmer ML. A ciência do Ensino da Natação. São Paulo: Manole; 1994.

NOTAS


(a)Artigo adaptado para publicação digital, conforme normas de submissão do periódico. Versão impressa original em: Azevedo H, Miguens L. A nova metodologia de aprendizagem em natação. Nadar Rev Bras Esp Aquat 1994; 75:14-16.


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