Editorial - Qual o limite do homem na natação?
Figura 1: De Johnny Weissmuller, o Tarzan (em 1922), ao brasileiro César Cielo (em 2009) o tempo da prova dos 100 livre em piscina longa evoluiu pouco mais de 10 segundos.
Qual o limite do homem na natação?
Estudos estatísticos tem demonstrado que nas últimas décadas a evolução das marcas da natação parece estar chegando ao seu limite.
Paulo Franco Rosa*
* Jornalista, editor de NADAR! SWIMMING MAGAZINE
https://n2t.net/ark:/21207/NADAR.v1i164.2
Muito tem se falado acerca da evolução dos tempos na natação competitiva. Estudos estatísticos tem demonstrado que nas últimas décadas a evolução das marcas da natação parece estar chegando ao seu limite. O homem não nada hoje muito mais rápido do que nadava há 10 anos atrás. Mas...
O ser humano traz dentro de si a possibilidade de sonhar. O sonho de ir à Lua levou o homem à conquista do espaço, assim como os recordes continuarão a cair, enquanto existirem nadadores que sonhem em nadar cada vez mais rápido. (1)
Palavras-chave: recorde mundial, ranking, velocidade, tempos de natação
INTRODUÇÃO
As diferenças entre os primeiros colocados nos grandes eventos natatórios estão cada vez mais difíceis de ser percebidas, sem a ajuda de um preciso placar eletrônico que nos mostra que a distância entre uma medalha de ouro e uma de bronze é de milésimos de segundo! Dá a impressão que logo, logo não haverão mais diferenças entre os primeiros colocados.
De Johnny Weissmuller, o Tarzan (em 1922), ao brasileiro César Cielo (em 2009) o tempo da prova dos 100 livre em piscina longa evoluiu de 58seg06 a 46seg91. Ou seja, estamos nadando pouco mais de 10 segundos mais rápido quase 90 anos depois (Figura 1).
Historicamente houve um momento importante na evolução das marcas da natação entre o final dos anos 60 e início dos anos 70. É um período de grande avanço cientifico com os estudos de James Counsilmann e outros pesquisadores que avaliaram a natação sob o ponto de vista da biomecânica, da fisiologia e da psicologia. Surgia a ciência da natação e atletas nadavam cada vez mais rápido. O lado negro desta ciência também ajudaria na melhora das performances com o avanço do doping, principalmente nos países do leste europeu. Os recordes mundiais não paravam de ser superados.
É POSSÍVEL NADAR MAIS RÁPIDO?
Este breve panorama histórico da uma idéia do tipo de condição que poderia favorecer uma nova arrancada na evolução do esporte: ciência e tecnologia voltadas para o esporte. Sob este ponto de vista, será que não estaríamos, então, numa época importante para a evolução das marcas? Hoje, temos as chamadas piscinas rápidas, construídas de acordo com projetos arquitetônicos que favorecem os atletas, raias anti-marola, trajes tecnológicos fabricados especialmente para os nadadores para deslizar mais rápido e conhecimento aprofundado das técnicas natatórias. E a velocidade dos atletas aumentou? Há estudos controversos, mas no geral a matemática é que define a média evolutiva e, ainda que em alguns anos tenhamos a impressão de grande avanço, noutros, os tempos voltam a cair e na média não temos ido muito longe.
Recente estudo estatístico na área de tempos de natação masculina e feminina foi realizado por um grupo de estudiosos de diversas universidades britânicas no final de 2006 e publicado na ultima edição do ano de 2007 do International Journal of Sports Medicine (2). E a conclusão deles não é muito animadora: estamos chegando a um limite e nem toda tecnologia será capaz de mudar isso. A mulheres também evoluíram bastante, mas também estão chegando ao seu máximo, 10% atrás dos homens.
Os pesquisadores ingleses fizeram uma avaliação da evolução dos recordes de natação masculinos e femininos nas provas de 100, 200 e 400 livres entre os anos de 1957 e 2006. Neste, praticamente, meio século, afora as significativas alterações entre os anos 50 e 70, hoje a situação se estabilizou. Os autores fizeram uma comparação com as provas de corrida no atletismo e identificaram um quadro quase idêntico: os tempos não evoluem muito mais e as mulheres, apesar de um expressivo avanço nas décadas mais recentes, também estagnaram e atrás dos homens.
A questão sobre a possibilidade dos tempos femininos ainda evoluírem bastante, já que os masculinos estão com vantagens médias de 10% sobre elas é descartada pelo estudo e justificada com bases anatômicas e fisiológicas. Atletas femininas tem massas e cavidade ventricular esquerda menor que os homens. Também tem 5 a 10% menos hemoglobinas, resultando em menor capacidade de transporte de oxigênio. Os volumes pulmonares e máxima capacidade expiratória também são inferiores. E para finalizar elas tem mais massa adiposa. Todos estes fatores influenciam na capacidade aeróbia para o exercício, que nas provas natatórias respondem por grande parte do esforço realizado.
E NO FUTURO, HAVERÃO RECORDES?
Os professores Rômulo Noronha e Eduardo Araya esboçaram a receita em edição da NADAR! (1):
O atleta poderá bater recordes se encara sua modalidade como profissional. Por trás de cada marca conseguida há sempre uma equipe multidisciplinar de técnicos e pesquisadores orientando e gerenciando condições propícias para o sucesso. Passa o atleta a ser o instrumento visível que faz possível atingir a meta. Podem se bater novos recordes respeitando determinadas premissas: saúde adequada ao esforço, biotipo pertinente às características da prova, aquisição progressiva de força propulsiva, análise e economia de movimento, administração de treinamento e dosagem das competições. Tudo isso funciona se há no atleta vontade e desejo de vencer.
100 LIVRE FEMININO 1957: 1,66 M/S 1980: 1,8 M/S 2006: 1,85 M/S |
100 LIVRE MASCULINO 1957: 1,8 M/S 1980: 2,0 M/S 2006: 2,1 M/S |
Quadro I: EVOLUÇÃO DA VELOCIDADE MÉDIA DOS NADADORES (2)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sempre que o ser humano atinge um limite é preciso haver a quebra de antigos paradigmas para superá-lo. Assim foi, por exemplo no início da década de 70, quando alguns estudiosos, como James Counsilman, dos EUA, observando exaustivamente, através de filmagem, alguns dos maiores nadadores do mundo, constataram que as mãos daqueles campeões desenhavam trajetórias submersas que desviavam consideravelmente de uma simples linha reta. Parecia, isto sim, que as mãos atuavam como folhas criando forças de levantamento perpendiculares ao movimento das mesmas. Os sofisticados trabalhos de Counsilman serviram a esta compreensão. Quebrava-se um paradigma, entretanto ainda acreditava-se nas mãos e braços como sendo os agentes da propulsão.
Na década de 90 começava a ser questionado o uso de braços como principais agentes propulsores (3). A musculatura dos quadris muito mais desenvolvida poderia ser melhor aproveitada quando o nadador fazia rotação a cada braçada, resultando em duas importantes conquistas: aumento da velocidade da braçada e redução do estresse nos ombros a partir da diminuição da responsabilidade dos braços.
Mas paradigmas não são quebrados apenas pelos técnicos e cientistas, o mercado também pode fazê-lo! A disputa por medalhas não depende apenas do esforço dos atletas. As maiores fabricantes mundiais de equipamentos esportivos também estão dando sua contribuição, desenvolvendo novas tecnologias para melhorar o desempenho competitivo, especialmente com a criação de trajes de natação que favorecem os atletas.
E se tudo isso falhar, ainda nos restará nadar como peixes. Para o técnico Terry Laughlin dos EUA, desenvolver as habilidades aerodinâmicas dos peixes nos torna mais rápidos na água. A base do “nado de peixe” estaria em não criar resistências ou reduzi-las ao máximo através da economia de movimentos, nadando com graça e fluência seja no treino ou na competição (4).
A mais rápida criatura dos mares, o agulhão bandeira chega a atingir até 110 km/h, com a ajuda de saltos, mas mesmo quando não dá estes saltos, ele alcança cerca de 55 km/h. Se o peixe disputasse a prova dos 200 livre com o medalhista olímpico Michael Phelps, ele terminaria o percurso em menos de 13 segundos, sendo que o nadador leva quase 1 minuto e meio.
REFERÊNCIAS
(1) Noronha R, Espinoza EA. Em busca da marca. Nadar Rev Bras Esp Aquat. 1995;:7-10.
(2) Neville AM. There Limits to Swimming World Records?. Int J Sports Med. 2007;(28):1012-1017.
(3) Liu Q, Hay JG, Andrews JG. Body Roll and Handpath in Freestyle Swimming: An Experimental Study. Journal of Applied Biomechanics. 1993;9(3):238-253.
(4) Laughlin T, Delves J. Total Immersion: The Revolutionary Way to Swim Better, Faster, and Easier. Palmer: Fireside Books; 2004.
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